#26 Restaurantes | A Cevicheria
Conheci o Chef Kiko há uns meses atrás, num evento em que ele esteve a partilhar um pouco do seu percurso de vida. Falou-nos da viagem que impulsionou a sua paixão pela culinária internacional e de como aprendeu e sentiu que a experiência o tinha enriquecido. Já o conhecia de nome, sabia que tinha vários restaurantes e andava de olho num em particular há bastante tempo, mas a realidade é que o facto de não aceitar reservas me fez sempre adiar. A minha vida é sempre tão acelerada, que a perspectiva de ficar a aguardar por ordem de chegada para jantar não me pareceu apelativa [era um completo tiro no escuro ter a sorte de chegar numa boa hora] e ficou sempre para depois. Falo da Cevicheria, no Príncipe Real.
A Cevicheria abriu em finais de 2014, em pleno coração de Lisboa, no Largo do Príncipe Real. Com este espaço, Chef Kiko pretende não só partilhar a sua interpretação à culinária da América do Sul, em particular do Peru, mas desenvolver e mostrar novas formas de comer peixe. O ex-libris é o tradicional prato peruano que lhe dá o nome – o ceviche.
Depois de ter recebido o mais recente livro do Chef Kiko, um presente da editora, li-o de uma ponta à outra em poucas horas e fiquei com vontade de ir a correr comprar todos os ingredientes e tentar replicar todas aquelas receitas maravilhosas! E claro, voltei a lembrar-me que andava à adiar há imenso tempo uma ida à Cevicheria! Resultado, planeámos de imediato a visita!
Fomos a um dia de semana e chegámos cedo. Ainda não eram 19h30. Convictos de que a essa hora estaria pouca gente para jantar e que seria mais rápido arranjar lugar sentado. Não terá sido a pior hora, mas a verdade é que havia muito mais movimento do que esperávamos!
Na Cevicheria, enquanto se espera, começa-se logo a experiência. Sim porque uma ida a um restaurante é cada vez mais uma experiência que ultrapassa apenas o acto de comer.
Depois de colocarmos o nome na lista, muito bem organizada pelo Frederico – o simpatiquíssimo chefe de sala, fomos convidados a pedir um aperitivo à janela. Bebemos um Pisco Sour, um cocktail da América latina, feito à base de aguardente de uva – o pisco, clara de ovo, sumo de lima e xarope de açúcar, e com uma gota de Angostura – uma bebida amarga feita através da planta com o mesmo nome, colocada na finalização para lhe conferir o travo característico que sentimos quando o provamos! Uma delícia! Á janela estão também disponíveis alguns petiscos e para quem por ali queira ficar, há mesas altas onde se pode por exemplo fazer uma pausa num passeio a pé provando algumas das iguarias disponíveis.
Quando chegou a nossa vez, sentámo-nos numa mesa de dois [o balcão estava cheio, mas numa próxima visita quero experimentar jantar lá pois permite-nos acompanhar mais de perto a preparação dos pratos, coisa que eu adoro ver!], e apesar de já termos escolhido o menu de degustação, demos uma vista de olhos pela carta para ter uma ideia mais concreta do que nos esperava.
Serviram-nos de imediato o couvert. porque se há coisa que não acontece neste restaurante são os compassos de espera que muitas vezes nos fazem demorar tempo interminável num restaurante. Na Cevicheria tudo é rápido e eficiente, uma fórmula que permite que os tempos de espera não sejam demasiado prolongados mantendo a qualidade do serviço com quem já está a usufruir da sua refeição.
Do couvert constavam o pão de milho caseiro, as tostas de trigo e a cancha, o milho peruano tostado. A acompanhar, uma manteiga aromatizada e um dip de tomate divinais.
A degustação em si começou com “gaspacho verde e cavala”, um gaspacho suave e muito aromatizado com a cavala marinada em gengibre, aipo, tapioca e maçã verde. Uma verdadeira delícia!
Seguiu-se o “Ceviche Puro”, com peixe branco marinado em leite de tigre [que estou com imensa vontade de experimentar fazer e cuja receita vos deixo no final do post], que estava a maior delícia que já algum dia experimentei! Adoro tudo o que tenha peixe cru e em particular com boas marinadas, e este foi sem qualquer dúvida o melhor ceviche que já comi.
Seguiu-se o “Ceviche de Atum”, em que o peixe vem marinado em leite de tigre com beterraba, o que lhe confere um sabor totalmente diferente pois a beterraba corta um pouco o ácido do leite de tigre, fazendo com que este ceviche seja mais adocicado do que o anterior.
Estes pratos foram acompanhados do Branco da Casa, um vinho adocicado, muito agradável, que deve ser bebido bem fresco e que liga lindamente com este tipo de pratos.
Passámos depois aos pratos quentes, e por recomendação do Chef Sandro, mudámos também de vinho, passando ao Tinto “O Talho”, um tinto frutado e suave, cujo paladar é persistente e que deve ser bebido à temperatura ambiente.
O prato seguinte foi uma “Causa Mista”, o nome de um prato típico do Perú, confeccionado com puré de batata, que ficou conhecido assim por ter sido a base do alimento dos soldados durante a guerra civil. A batata era cozinhada em grande quantidade, “por causa de”e os pratos confeccionados deste modo ficaram assim conhecidos. Esta causa tinha um lombo de vieira, peixe branco e ovas de salmão. Muito agradável!
Seguiu-se um dos pratos que mais curiosidade me tinha suscitado, o “Quinoto do Mar”. Costumo cozinhar Quinoa mas na verdade tenho tido muito pouca imaginação na sua preparação. Este quinoto não é mais do que um Risotto preparado com Quinoa! Cozinhado com peixe e vários mariscos, fica cremoso e com um sabor suave mas ao mesmo tempo intenso e bem apurado. Um verdadeiro deleite! [A seguir ao ceviche puro este foi o prato que mais me surpreendeu]
Terminámos com duas sobremesas deliciosas! Uma quinoa doce com maracujá e sorvete de goiaba [mais uma maneira interessante de cozinhar a quinoa], e seguiu-se o Cheesecake desconstruído de chocolate, pistacho e queijo de cabra. [As sobremesas foram partilhadas porque depois de tanta degustação já era impossível comer muito mais!]
A Cevicheria é um espaço giríssimo, cheio de bom gosto na decoração, e centrada enorme balcão de mármore que por cima tem o ex-libris do espaço, o polvo gigante que toda a gente já viu e fotografou mesmo que nunca lá tenha entrado. O staff é todo muito atencioso e o ambiente descontraído. Não posso deixar de agradecer ao Frederico pela simpatia com que nos recebeu e acompanhou a nossa refeição, ao Chef Sandro que nos apresentou pessoalmente alguns dos pratos que degustámos e à Bárbara que foi sempre tão eficiente e simpática ao servir a nossa mesa. Queremos sem dúvida voltar, experimentar a nova carta [que entretanto já mudou desde a nossa visita], ficar ao balcão a petiscar com toda a calma enquanto “namoramos” cada procedimento da confecção dos pratos. Adorámos!
Aqui deixo por fim as dicas para fazerem leite de tigre caseiro, retiradas do livro que impulsionou este nosso jantar. Enjoy!
O leite de tigre é a base de todos os pratos de ceviche tradicional e é uma marinada relativamente fácil de preparar. Para o fazer basta triturar todos os ingredientes [250 ml de sumo de lima, 30 gramas de sal, 100 gramas de cebola laminada, 75 gramas de aipo, 125 gramas de peixe gato aos cubos, 110 gramas de gelo, 6 gramas de aji limo (pimenta do Peru), 12 gramas de coentros], excepto os coentros, num robot de cozinha e passa-los por um passador. Adicionar depois os coentros e rectificar os temperos. Os coentros não devem ser triturados mais que um segundo, pois pretende-se que apenas dêem sabor.