Das nossas manhãs…
Acordar. [Uma história sobre as nossas manhãs]
Acordar. Ainda há muito pouca luz e começo a ouvir o despertador lá muito ao fundo a tocar repetidamente…
“pipipipi”
“pipipipi”
“pipipipi”
Cada vez mais alto, até que despertamos o suficiente e o homem põe a mão de fora do edredão e carregar no botão que o volta a pôr a tocar daqui a 10 minutos. Volta a pôr a mão para dentro [que está um frio que não se pode], puxa o edredão até aos olhos e respiramos fundo. O alívio de poder “dormir” mais 10 minutos. Passados 2 segundos, que na realidade foram os 10 minutos, voltamos a acordar em sobressalto
“pipipipi”
“pipipipi”
“pipipipi”
Damn! Já!? Eu ia jurar que ainda agora o desliguei e já está a tocar outra vez! Repetir o procedimento enquanto de olhos fechados resmungo baixinho antes que ele decida que o desliga de vez… “só mais 10 minutos”. Viramo-nos para o outro lado, voltamos a puxar o edredão para cima, e ficamos ali, de olhos fechados, a ouvir a chuva e a pensar que este era o dia perfeito para faltar ao trabalho e ficar só assim, em casa, em silêncio, debaixo da roupa da cama, no quentinho. Sem horários, sem responsabilidades, sem filhos, sem trabalho, sem rotinas, sem nada! Enquanto mergulhamos nestes pensamentos embalados pelo barulho da chuva que cai lá fora, somos novamente arrancadaos para a realidade!
“pipipipi”
“pipipipi”
“pipipipi”
Pronto já sei! Já não há mais 10 minutinhos senão daqui a um bocado andamos todos a correr pela casa para tentar não chegar ao trabalho fora de horas! Sim eu sei, está a chover, está frio, estamos cansados e não apetece sair daqui. Espera! Mas hoje é sexta feira. Sim! Hoje é sexta feira! Só precisamos de mais derradeiro esforço! Salto da cama, visto o roupão, calço as pantufas e vou para a casa de banho a arrastar os pés. Ele vem atrás de mim e é interrompido por uma menina descalça, com os cabelos soltos a cair pelos ombros quase até à cintura, que surge aos saltinhos e nos diz orgulhosamente: “Consegui dumi sem a chucha!”. Ontem à noite desafiámo-la a voltar a tentar dormir sem chucha. Depois de mostrar alguma resistência decidiu pô-la debaixo da almofada para experimentar, e como estava cansada adormeceu rapidamente e não precisou de chucha para nada! Acordou orgulhosa!
Vou acordar o rapaz enquanto ela e o pai ficam na casa de banho. Ele é mais difícil, gosta de fazer ronha, gosta de dormir e não tem bom acordar. Tento usar um estratagema para o convencer a acordar bem disposto e encho-o de beijos. Vai virando a cara para um lado e para o outro a fugir dos meus beijos e sem abrir os olhos. Vou encontrando pedacinhos de pele à mostra e vou-lhe dizendo baixinho:
“As mamãs encontram sempre sítios para encher de beijinhos. As mamãs adoram beijinhos. São umas beijoqueiras!”
Sorri, ainda de olhos fechados, e começa lentamente a espreguiçar-se. Tira as pernas de dentro da cama, levanta-se de um salto e dá-me um abraço.
“Adoro-te mamã!”
É por estes momentos que vale a pena sair da cama de manhã. Agradecer o que temos e sentir que não há tesouro maior do que poder viver assim.