Tive uma experiência de quase morte
Podia ser um dia como outro qualquer, mas não foi. Num dia em que a nossa rotina se desenrolou de forma atípica, tive uma experiência de quase morte que dificilmente irei esquecer.
Ao contrário dos outros dias, no dia em que se realiza a festa de final de ano, o colégio dos nossos filhos encerra às 13h. A festa realiza-se ao final do dia, numa sala de espectáculos local, e durante a tarde as equipas estão a ultimar preparativos, pelo que pedem aos pais a compreensão e disponibilidade para ficarem com as crianças nesse período.
Ao contrário dos outros dias, em que na sua maioria levo almoço comigo e nem saio do escritório, neste dia, levei eu o carro de manhã, e saí na hora de almoço para os ir buscar, passar em casa a comer qualquer coisa rápida e regressar ao escritório enquanto eles ficavam com o pai até à hora de os entregarmos no local da festa.
O colégio do Daniel e da Carolina fica numa Estrada Nacional onde há demasiadas vezes irregularidades no que respeita ao cumprimento das regras de trânsito. Há excessos de velocidade, há pessoas que não param na passadeira mesmo quando já vamos com os miúdos pela mão a meio da estrada, há manobras e ultrapassagens perigosas. Todos os dias passo por ali várias vezes, não vi a polícia por lá nunca, não vi uma única destas situações a ter consequências judiciais, e quando formalizei um pedido por escrito para que colocassem lombas, semáforos ou alguma coisa que ajudasse a acalmar os condutores inquietos e desrespeitadores, recebi a resposta [ainda que por telefone uma vez que continuo a aguardar a resposta formal] das Infraestruturas de Portugal de que “era difícil porque aquela zona não tinha registos de sinistralidade“.
O que vivi neste dia já ia fazer com o IP tivesse registos de sinistralidade, e talvez conseguisse a instalação de uma qualquer medida de segurança no local. Não o vivi a pé, mas gelada, sentada ao volante do meu carro, com os meus dois filhos no banco de trás.
Saí do escritório, fui até ao colégio, estacionei num local onde estaciono milhentas vezes, fui buscá-los, sentei-os nas cadeiras, sentei-me ao volante, pus o cinto e liguei o motor do carro. Fiz marcha atrás para voltar a entrar na estrada nacional, dentro da minha mão, e andei uns metros, muito poucos na verdade. Parei, porque vi que estava um autocarro parado na paragem do lado contrário da estrada que se situa uns metros à frente do local onde eu estava parada. O autocarro ocupava parte da faixa de rodagem, como sempre, dada a inexistência de um espaço adequado para a sua imobilização. Em sentido contrário, completamente fora de mão e em excesso de velocidade, circulava um camião TIR, cujo condutor, para além de já vir a cometer diversas infracções de trânsito, ainda ia a olhar para o lado.
Numa fracção de segundos, gelei, fiquei parada sem reacção, e tive a certeza de que ele ia para só depois de acertar em cheio no meu carro. Ao passar ao lado do autocarro, a uns escassos 20 metros de nós, o condutor olhou em frente, viu-nos, travou a fundo, virou o volante para o lado rapidamente. O camião guinou, a caixa de carga balançou e eu encolhi-me e preparei-me para o embate.
Passou por nós a uns escassos milímetros do espelho retrovisor lateral do lado do condutor. Não abrandou. Continuou o seu caminho em excesso de velocidade sem sequer olhar para trás. A seguir a ele repetiram a manobra outros dois que vinham colados a ele e embora com mais margem do meu carro passaram em alta velocidade numa estrada nacional dentro de uma localidade, em frente a um colégio e uma associação de reformados, ignorando cruzamentos, traços contínuos e passadeiras de peões.
Eu fiquei ali parada uns segundos que me pareceram horas. Sem força, sem reacção. Na rua, as pessoas que circulavam a pé ficaram paradas, olhando para mim imóveis e talvez tão geladas como eu. Acabei por reagir e arranquei para longe dali, em direcção a casa.
Naquela fracção de segundo convenci-me de que não saímos dali com vida. Se tivesse havido embate, com a velocidade a que o camião circulava e com o ângulo com que nos ia bater, pelo menos eu e o Daniel, que estava atrás de mim, éramos apanhados de imediato. A Carolina estava do lado oposto pelo que ligeiramente menos exposta, mas ainda assim…
Tento racionalmente expulsar estas imagens e estas conjecturas da minha memória mas ainda não consegui. De cada vez que penso no assunto volto a gelar, volto a perder a força, volto a sentir-me agoniada.
Ao senhor condutor do camião, que nunca tenha que se sentir tão pequenino e insignificante com me fez sentir a mim e aos meus filhos.
Aos senhores da GNR de Palmela, os responsáveis territoriais pelo local em questão, façam o favor de começar a passar por ali mais vezes, de zelar pela segurança da população, de fazer trabalho efectivo de prevenção rodoviária num ponto onde todos os dias ocorrem inúmeras infracções de trânsito.
Aos senhores do IP, não esperem por haver registos de sinistralidade para fazer alguma coisa.
Quanto a mim, tenho algumas dúvidas em acreditar no destino, mas a verdade é que senti que não era aquela a nossa hora e agradeço por isso.