Banalidades

Ontem, corri! Porque quem corre, "seus males espanta"!

Domingo passado, corri! 10 kilómetros, entra Algés e Oeiras, na Corrida do Tejo! O percurso foi bonito, a companhia foi boa, mas custou-me a valer! Este é um post que não acabei, nem no dia, nem nos dias seguintes, que foram dos piores dias de que tenho memória. Ainda no domingo, comecei-o assim:

“Depois de me ter mentalizado de que era desta que ia treinar, era desta que ia correr 10 km preparada para o fazer, era desta que não ia ver-me e desejar-me para terminar a prova, era desta que não ia sentir-me uma lesma, voltei a repetir a proeza de correr sem treinar! Pior! Consegui treinar ainda menos do que treinei para a São Silvestre!

Chegou o dia, e acordei com o pensamento que já sabia que ia ter: Porque é que eu me meto nestas coisas! Como já esperava que o meu cérebro me atacasse com isto, resolvi distrai-lo e atirar-me a um bom pequeno almoço! Afinal, para correr, primeiro é preciso comer!
Depois do pequeno almoço já estava mais bem disposta, mas ainda muito sonolenta. Fui o caminho praticamente todo calada, e assim continuei durante um bom bocado. É o que faço quando estou com “birra de sono”. Acho que só quando já estava na linha da partida é que comecei a reagir e a arrebitar.

Estava mentalizada de que ia correr à chuva, e afinal o Sol abriu, e ficou um dia de muito calor! Os meus ténis são maravilhosos, mas não para correr com calor. Fiquei com os pés a escaldar, e muito doridos! (Só depois em casa é que vi que tinha ficado completamente cheia de bolhas!).

Corri! Com boa companhia, com calor, com dores nas pernas e uma dor no tornozelo direito que me chateou nos ultimos kilómetros (quando não é o tornozelo é o joelho, quando não é o joelho é o raio que o parta, mas há sempre alguma coisa que doi!), mas corri! Pensei muito! Nestas coisas costumo em momentos de maior sofrimento, fixar-me no alcatrão, para não ter referências que me digam se falta muito ou pouco para terminar, e pensar. Pensar no que tenho na cabeça, pensar no que se passa na minha vida na altura.”

Hoje venho acabá-lo, e percebo finalmente o que correr me faz, ao corpo e acima de tudo, à cabeça:

Na semana passada corri, a pensar que tinha que arranjar maneira de convencer a minha mãe a ir ao hospital. Não podia deixar que ela continuasse assim, e que teimasse que era do cansaço e que não precisava de mais do que de descansar. Já em casa, falei com ela ao telefone, e expliquei-lhe que tinha estado a pensar, e que achava que era melhor irmos ao hospital, onde fariam os exames necessários logo na hora, e onde ficávamos logo a saber o que se passava. Concordou, ainda com alguma resistência, mas combinou que no dia seguinte iria comigo à nossa médica habitual. Na minha cabeça, já tinha decidido que a ia levar directamente para o hospital, mas longe de imaginar a gravidade da situação, decidi deixá-la descansar no domingo.

Na segunda feira depois de almoço fui buscá-la e levei-a. Quando percebeu que o caminho não era o da “nossa” médica, e lhe disse que não era para lá que a levava, reclamou comigo. Percebeu pela minha resposta, que não havia margem para discussão, e acabou por aceitar mais depressa do que eu esperava, a minha decisão inflexível de a levar para o hospital. Depois da entrada na urgência, de análises feitas, e de um TAC, o prognóstico foi aquele que eu nunca esperei. Foi necessária uma intervenção cirúrgica de risco elevado, imediatamente.

Senti-me minúscula! Gelei, uma vez, e outra e outra… a cada palavra do neurocirurgião, sentia que me puxavam o tapete debaixo dos pés em modo repeat. Depois de uma situação menos correcta no procedimento administrativo do hospital (sobre a qual ainda vou escrever uma longa reclamação à direcção), foi feito o internamento, foram feitos os exames pré-operatórios necessários, e subimos para o bloco. Despedi-me dela e fiquei na sala de espera da UCI. Sentia-me vazia. Impotente. O meu pai, que entretanto tinha ido ter connosco, revelava exactamente o mesmo sentimento no olhar. E ali ficámos. A tentar enganar o tempo, à espera que a porta do fundo da sala se voltasse a abrir, e o doutor nos trouxesse noticias.

Tudo correu bem! As noticias foram de alguma forma boas, e apesar da gravidade extrema em que se encontrava, o prognóstico a longo prazo foi animador. A intervenção foi realizada no limite do possível, mas a tempo! A semana foi dura, vivida a um ritmo atípico, com três crianças em casa em vez de duas, com todos os dias passados no hospital, com o reavivar de memórias que a unidade de internamento de cuidados intensivos me trouxe, que me recordaram o internamento da Carolina e do Daniel quando nasceram. O cheiro do desinfectante das mãos.. aquele que já não tinha na memória, voltou. Consigo senti-lo como se tivesse neste preciso momento a desinfectar-me para entrar na UCI…

A semana passou, o pior já passou, e agora é dar tempo ao tempo, e com muita calma, acreditar que tudo se vai ultrapassar!

Entretanto, na 6.ª feira, ofereceram-nos dois dorsais para a corrida da Linha, entre Carcavelos e Cascais. E pela primeira vez na vida, sem hesitar, decidi que queria mesmo ir! Percebi que correr, começava a funcionar como uma espécie de terapia. Precisei de ir, para sentir as dores que me obrigam a entrar em introspecção, e deitar fora tudo o que tinha acumulado durante esta semana.

Foi a melhor corrida que algum dia fiz! Não me custou levantar, nem sair de casa, não fui calada o caminho todo! Senti-me bem disposta e com energia. E corri! Corri muito! De cada vez que consultei a aplicação que uso nas corridas – Nike Running, percebi que a passada estava a ser a mais rápida de sempre, e abrandei. Mas não conseguia abrandar. Continuava sempre a voltar ao ritmo e a correr mais depressa do que algum dia tinha corrido.

A temperatura estava perfeita, o Sol meio escondido, a chuva, intermitente, soube-me pela vida! Corri e aproveitei cada gota de chuva, cada passo, cada quilómetro, para deitar fora toda a pressão que acumulei na ultima semana.

Ontem corri! Outra vez! Com prazer, com gosto, com satisfação. Comecei finalmente a gostar de correr! Para a semana quero mais!

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