Banalidades

# Our family | A manhã em que tive vontade de atirar o meu filho pela janela

Antes de ter filhos, acreditava naquela visão romântica e bucólica de família em que tudo corre sempre bem e tudo é sempre perfeito. Ou pelo menos, acreditava nesta visão na maior parte do tempo. Sendo a mais velha de 4 irmãos, tenho bem presentes as recordações dos dias de birra, das implicações pelo lugar à mesa, das brigas por brinquedos ou para escolher o canal de televisão. Embora vistos de uma perspectiva diferente, estes episódios existiam na minha memória para apimentar a visão bucólica e perfeita.

Não sou de me queixar, mas há alturas em que me apetece fazer como a avestruz, enterrar a cabeça na areia e esperar que ninguém repare que o meu corpo está ali! Na semana passada, tive um dia assim. Ou melhor, uma manhã que me deixou com este sentimento pelo resto do dia.
Já todos nós estamos cansados de saber que deitar tarde, no que toca a crianças se traduz em manhãs mais difíceis. Se nos custa a nós adultos, mais custará às crianças, certo? Só que, por vezes, há situações que não controlamos e que nos forçam a ter que lidar com as poucas horas de sono e o desatino que daí advém. 
Na semana passada, houve um dia em que era mesmo necessário deitá-los cedo. No dia seguinte tinham um passeio com o colégio e tinham que chegar até às 8h15. A essa hora, na maioria dos dias, estão a acordar. Por isso sabiam de antemão que para bem do humor de todos na manhã seguinte, tinham que se despachar e deitar cedo, e andámos todos em grande aceleração para o conseguir. Eram 21h30 e estava tudo deitado! Respirámos de alivio, e fomos terminar o nosso jantar para nos sentarmos tranquilamente a comer.
Uns 20 minutos depois de se terem deitado, e pela primeira vez desde que dormem no quarto de crescidos, apareceram. As desculpas eram várias, desde não conseguir dormir, até ter a cama desentalada, até pedir para ligar a televisão. Argumentos não faltavam, mas o que verdadeiramente se notava, era a excitação. Estavam completamente despertos e activos, coisa que normalmente por estas horas já nunca acontece. 
Não sei se foi a expectativa do que vinha no dia seguinte, se foi a excitação pela aula de karaté que tinham tido [foi o dia da primeira aula e adoraram], se foram ambas as coisas, mas a verdade é que desculpa atrás de desculpa, demoraram muito tempo a adormecer. A última vez em que fomos deitá-los e aconchegar a roupa já devia passar das 23h por isso estão a imaginar a resistência!
Mesmo assim, tive esperança até ao ultimo minuto de que o facto de terem um passeio pelo qual estavam ansiosos iria fazer com que acordassem bem dispostos. Só que o Daniel, que raramente acorda bem disposto, preferiu manter o registo. Nesta manhã tudo custou, tudo foi difícil, tudo foi uma enorme contrariedade. 
Acordar, sair da cama, fazer xixi, escolher o que comer ao pequeno almoço, comer, sair da mesa, subir a escada para se vestir, calçar-se, ou mesmo sair de casa, descer a escada, sentar-se no carro. Foram birras atrás de birras. Ainda estava a limpar lágrimas ou a assoar o nariz da primeira birra, já estava a começar a segunda, e assim sucessivamente. Tentámos todas as estratégias possíveis e imaginárias. As birras sucederam-se, fizemos turnos, quando eu estava mais irritada trocávamos e assumia o pai o comando, e quando se irritava ele lá ia eu. Nada funcionou! Confesso que a minha vontade foi de o proibir de ir ao passeio e mandar só a irmã. Há comportamentos que seja pelo motivo que for não desculpo nem aceito, e as birras de sono são de sono, mas quando se transformam em teimosia passam a outro patamar. [E as birras do Daniel são na sua maioria de um timbre e volume que leva qualquer um à loucura!].
Depois de sairmos, e a caminho do colégio já com 15 minutos de atraso, apanhámos uma fila enorme. Saí para a rua com eles enquanto o pai ficou na fila com o carro, corremos a pé para o colégio, vimos os autocarros a arrancar [iam só dar a volta mas nós não sabíamos e no meio de tanto stress achámos que já iam embora], corremos para dentro da escola e chegámos uns 2 minutos antes do comboio de crianças sair para o autocarro. O Daniel ainda em lágrimas, a soluçar, vermelho, e nós… bom… nós numa pilha de nervos como poucas. 
Deixámos os dois entregues à educadora e saímos. A tremer. Com o coração a bater descompassado. Com a sensação de sermos os piores pais do mundo porque afinal não nos conseguimos manter calmos no meio de todo o caos que se instalou em nossa casa naquela manhã. A mim, faltou-me pouco para irromper em lágrimas. 
Esta foi uma manhã em que tudo foi o oposto da imagem bucólica da família perfeita. Gritámos, chorámos, perdemos a calma, corremos, saímos de casa ranhosos, despenteados, desalinhados. Por dentro e por fora. Esta foi uma manhã normal, numa família normal, em que estas coisas acontecem. Se alguém vos disse que ter uma família era coisa fácil… enganou-vos!

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