Crescimento,  Maternidade

Sobre as memórias estruturantes das crianças

No fim de semana passado, estivemos a rever o filme Divertidamente. Quando o viram no cinema eram muito pequeninos, e comparativamente com o entendimento que os vi ter agora do enredo do filme, não apreenderam nada. Desta vez, as perguntas sucederam-se durante e após o filme, e têm tido por diversas ocasiões oportunidade de fazer paralelismo com a vida real, o que revela que perceberam mesmo o conceito abordado.

No filme fala-se essencialmente de memórias. Como se criam, quais as que são importantes, o que acontece às coisas das quaos nos esquecemos. Claro que, adaptado a uma forma infantil de ver as coisas, mas com uma base bastante bem conseguida. A Carolina e o Daniel absorveram toda a informação e têm tido conversas muito engraçadas sobre as memórias e as recordações que guardam do seu curto passado, fazendo o paralelismo com o sistema de memória do filme.
Na memória da protagonista, “nascem” bolinhas amarelas para memórias felizes, bolinhas azuis para memórias tristes, vermelhas para memórias zangadas, roxas para memórias de medo e verdes para memórias de repulsa. As cores em que mais se fixaram foram o amarelo e o azul, simplificando os sentimentos aos dois com que provavelmente se identificam mais: a felicidade e a tristeza.
Ao deitar, dou-lhes sempre um beijinho e aconchego a roupa, todos os dias, sem excepção. Um dia destes o Daniel estava a brincar a fugir do meu beijinho e eu disse alguma coisa como: “Vá lá filho. Dá lá um beijinho à mamã…”. Ele parou, olhou para mim, sorriu, deu o beijinho e disse: “Assim já tens uma bolinha amarela nova mamã!”
Noutra ocasião, quando eu reclamava com os gatos dizendo que saíssem dos quartos que não os queria a encher tudo de pelo, oiço uma vozinha de outra divisão da casa: “Oh mamã tu és mesmo muito má para os gatos! Eles assim ficam com muitas bolinhas azuis…”.

Ontem, enquanto os vestia depois do banho, passava na televisão um anúncio do Festival do Panda. No ano passado fomos com eles, a convite de uma das entidades que patrocina o evento, mas não achámos que tivessem gostado particularmente. A prova veio sob a forma de observação sobre o anúncio:
“Daniel – Mamã o festival do Panda faz 10 anos. Quando nós fomos fazia 9? Ou 8?
Eu – Fazia 9! Fomos no ano passado.
D – E quando nós fomos também tinha lá o Panda?
Eu – Tinha, claro!
D – E a banda?
Eu – Sim. Não te lembras?
D – Não. Eu não lembro-me de ir lá.”
Tendo em conta que a memória em particular do Daniel mostra muitas vezes que têm recordações de episódios que viveram por exemplo aos 2 anos, o  facto de não terem recordações de um evento que supostamente os teria marcado, e que viveram apenas há 1 ano atrás, mostra que na verdade não foi importante para eles.
Este episódio deixou-me a pensar que a maioria dos pais que levam os filhos ao festival, fazem um sacrifício significativo para comprar os bilhetes, que não são assim tão baratos, porque os miúdos adoram o Panda e assumem que o facto de ir ao festival será uma experiência única e memorável, e se calhar não é.
Fiquei a pensar em como por vezes nós pais fazemos escolhas pelos filhos convencidos que estamos a escolher de acordo com o que eles mais apreciam, quando na verdade até pode não ser. E isso revela-se bem cedo. A tarefa dos pais é mesmo das mais difíceis e complexas que existe, não acham?

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