Outras vidas, outros sofrimentos…
Há crimes horrendos um pouco por todo o mundo. Há pessoas muito más, há loucos, há os que num momento de loucura perdem a razão e cometem atrocidades. Há realidades que são tão diferentes da nossa que nem as conseguimos imaginar. Há pessoas a quem diariamente é infligido tal sofrimento que perdem a vontade de viver. Para mim, um crime é um crime, mas há alguns que mexem mais comigo, e os crimes sexuais encaixam-se nessa categoria.
Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar são duas jovens yazidis que foram capturadas pelo Estado Islâmico e sobreviveram a meses de escravatura sexual. O Parlamento Europeu atribuiu-lhes o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento. As duas raparigas foram raptadas na aldeia de Kocho, perto da cidade de Sinjar, no Norte do Iraque, em Agosto de 2014. Todos os homens da localidade foram executados, juntamente com as mulheres idosas. As mulheres e as meninas foram levadas pelos radicais, violadas, vendidas e compradas muitas vezes. Muitas morreram ou continuam cativas.
Murad, que agora tem 23 anos, viu os extremistas matar-lhe a mãe e seis irmãos – o Estado Islâmico matou todos os homens da aldeia e poupou as mulheres que considerou que serviriam para tornar escravas sexuais. Murad conseguiu fugir três meses depois do rapto e em Setembro tornou-se a primeira embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico Humano. Informou o Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, sobre o que viveu, enquanto vítima do grupo jihadista.
Bashar, de 18 anos, perdeu o pai e os irmãos, escapou em Abril do ano passado, após várias tentativas falhadas. Mas foi atingida pela explosão de uma mina terrestre, durante a fuga, que a desfigurou e deixou quase cega. Enquanto esteve em cativeiro, foi usada como escrava sexual e forçada a fabricar bombas e coletes de bombistas suicidas.
Ambas receberam asilo na Alemanha e desde então dedicam-se a chamar a atenção do mundo para a difícil situação dos yazidis, uma comunidade concentrada no Norte do Iraque e que é seguidora de uma religião pré-islâmica que combina elementos de várias religiões do Médio Oriente.
Em Junho, um relatório das Nações Unidas reconhecia que o Estado Islâmico está a cometer um genocídio contra os yazidis na Síria e no Iraque, nos territórios que tem sob o seu controlo. Está a fazer uma tentativa deliberada de destruir esta comunidade religiosa de cerca de 400 mil pessoas através do assassínio, escravatura sexual e outros crimes.
O prémio da União Europeia é um passo para sustentar esse reconhecimento. As duas mulheres “partilharam um passado triste e trágico”, mas “sentiram que tinham de sobreviver e lutar por aqueles que tiveram de deixar para trás”, afirmou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, nesta quinta-feira em Estrasburgo. A atribuição do Prémio Sakharov mostra que “a sua luta não foi em vão” e que a Europa está disposta a “ajudá-las na luta contra o sofrimento e a brutalidade” do Estado Islâmico.
Instituído em 1988, o Prémio Sakharov é atribuído pelo Parlamento Europeu e visa reconhecer o trabalho de quem tenha dado “contribuição excepcional para a luta em prol dos direitos humanos em todo o mundo”. O valor do prémio é de 50 mil euros e será entregue numa cerimónia em Dezembro.
[Fonte: Revista Visão]