Sobre crescer, viver, e morrer…

Os meus filhos começaram recentemente a despertar para um tema sensível… a morte. Um dia, não há muito tempo atrás, perguntaram quem era o menino que estava com o papá na fotografia em casa dos avós. Explicamos-lhes que era o tio, o mano do papá, que já tinha morrido e que agora era uma estrelinha no céu a olhar por eles. Na altura ficaram satisfeitos com a explicação, mas com o passar do tempo, e ao digerirem melhor a informação, foram começando a falar no assunto várias vezes, a fazer perguntas e a dizer coisas como: “papá eu quero o teu mano na nossa casa!”.
Numa das vezes em que fizeram perguntas sobre o tio, expliquei-lhes que as pessoas morrem. Não é uma coisa que se escolha ou se queira, mas acontece. Que normalmente os velhotes da família são as pessoas que perdemos primeiro, mas que nem sempre é assim, e que por vezes a vida nos troca as voltas. Isto em linguagem que eles percebam é obra! Fiz o paralelismo falando do avô Camilo, que era o meu avô paterno, que perdi com 12 anos. Expliquei-lhes que a avó Luísa ficou sem o marido, o avô Rui sem o pai, e eu sem o avô, e que ele também era uma estrelinha a olhar por eles lá em cima no céu, apesar de nunca o terem conhecido! Na altura o Daniel disse-me que nunca tinha visto o avô Camilo, e eu prometi que lhe arranjava uma fotografia!
Esta semana, começaram a prestar atenção à música cinco do álbum de que falei acima. Chama-se “Onde foi o avô” e a letra diz assim:
“Onde foi o Avô?
Nunca mais o vi.
Onde foi o Avô?
Dizes que ele olha por mim.
Onde foi o Avô?
Dizes que ele olha por mim.
Mas se ele olha por mim,
eu às vezes estou na escola
ou brinco no jardim.
ou brinco no jardim.
Se ele vê mesmo assim,
tem de estar num sítio alto,
como o céu.
como o céu.
Onde foi o Avô?
Quero vê-lo e dar-lhe a mão
Se agora está no céu,
posso ir lá de avião.
Se agora está no céu,
posso ir lá de avião.
Pois se ele olha por mim,
eu às vezes vou à praia,
que é bem longe daqui.
que é bem longe daqui.
Se ele vê mesmo assim,
tem de estar num sítio alto,
onde não toco quando salto
e onde não se esquece de mim.”
onde não toco quando salto
e onde não se esquece de mim.”
Dei por eles [mais o Daniel, sempre mais o Daniel, pelo menos nas perguntas relacionadas com este tema] a cantar a letra baixinho e com um ar cabisbaixo, como se percebesse perfeitamente de que se estava a falar.
Ontem de manhã, ao descermos a escada para sair, cruzámo-nos com a nossa vizinha de baixo e com o filho adolescente. Cumprimentámo-nos e eles seguiram. O Daniel começou o seguinte diálogo comigo:
“D – Mamã, a Ana vai pó tabalho com o filho?
Eu – Sim filho, vai!
D – Mamã, mas ele não tá no carro. Tu pões eu e a mana no carro…
Eu – Pois não filho, ele já é crescido vai a pé. Tu qualquer dia também ficas crescido!
D – E tu mamã? Ficas bebé?
Eu – [Dei uma gargalhada] Não filho! Eu fico velhota!
D – E o papá?
Eu – O papá também fica velhote!
D – [com um ar angustiado, olhos muito abertos e voz preocupada] Mas eu não quero tu velhota…”
Peguei-lhe ao colo, disse-lhe que não precisava de se preocupar com isso, que ainda faltava muito tempo para eu ficar velhota e que ia estar sempre ao pé dele, mas percebi que foi invadido por um pânico que não percebe, sobre um tema que tem tentado entender com dificuldade e que o anda a preocupar.
Explicar a morte ou melhor, a vida, a uma criança é sempre complicado. Ainda assim, por vezes somos nós adultos que complicamos mais do que o necessário a explicação e procuramos dar repostas demasiado complicadas. Para mim, a única forma de tentar fazer com que entendam que há alguém próximo, que conheceram ou não, que já não cá, é exactamente dizendo isso. Sem demasiados detalhes, sem demasiados floreados. Apenas a verdade. E nisso, a letra da música da Luísa Sobral, é perfeita!