# Vidas | Quando falta a saúde a um filho…
Há umas semanas atrás falei-vos da história do Martim, um menino de quase 6 anos que tem Asperger. Hoje trago-vos uma outra história, de outro Martim, com uma patologia diferente. A Soraia, a mãe, contou-me tudo com uma tranquilidade e uma felicidade que admiro! Uma mãe coragem que apesar das dificuldades encara o dia a dia com um sorriso nos lábios!
Soraia tem 27 anos e vive em Oliveira de Azeméis. Estudou na Universidade de Aveiro, onde se licenciou em Gestão. Depois de ter passado por entrevistas sem resposta e empregos precários, lá conseguiu o estágio profissional. Estagiou e ficou. É administrativa numa instituição particular de solidariedade social onde faz as mais diversas tarefas administrativas, lançamentos contabilísticos e gestão de pessoal e afirma que realmente gosta do que faz.
Sempre teve a família como o seu pilar ao longo de toda a vida. Diz que fizeram dela a mulher que é hoje. Prática, sonhadora, persistente e lutadora. Gosta de ter os amigos sempre presentes. Gosta de ler. Não gosta de passar a ferro. Gosta de passear mas adora o conforto da sua casa. Não gosta de hipocrisias. Gosta de sorrisos, risos e gargalhadas. Em 2016 ficou noiva, engravidou e foi mãe do Martim. Foi um ano cheio de emoções e que a fez ver que apesar de tudo o que gosta, ama ser mãe.
Soraia foi confrontada com o nascimento de um filho com uma doença complicada e decidiu começar a partilhar aqui um pouco do seu dia a dia enquanto mãe de um menino com Miopatia Congénita Nemalítica. Considera que é necessário acabar com o estereótipo de que as pessoas com deficiência têm que ficar destinadas ao seu diagnóstico. Fizemos algumas perguntas a esta família para os conhecermos um pouco melhor.
1.Que idade tem o Martim?
O Martim faz 6 meses no dia 1 de Junho.
2. O Martim é filho único?
Sim, é o nosso primeiro filho. Mas gostaríamos de ter mais um, no entanto terá que ser um assunto bem “estudado” pois poderá haver probabilidades de nascer com o mesmo problema que o Martim, daí que tenhamos que fazer exames genéticos antes de pensar a sério no segundo filho.
3. Quando é que descobriu a patologia do Martim?
A patologia do Martim foi descoberta após ele ter feito uma biopsia ao músculo (ainda estava internado e tinha 1 mês e 25 dias). Apesar de ainda estar em estudo, já foi possível confirmar o diagnóstico: miopatia congénita nemalínica.
4. Quais foram os sintomas que despertaram o alerta?
Os sintomas estiveram sempre lá, sabíamos que seria alguma doença neuromuscular, mas apenas com os sintomas é praticamente impossível chegar ao diagnóstico exacto uma vez que as possibilidades eram muitas.
O Martim começou logo por ser reanimado quando nasceu, aqui já estava presente os problemas respiratórios e depois revelou-se um bebé muito hipotónico e sem capacidades para mamar e engolir o que se deve à fraqueza muscular.
5. Que idade tinha o Martim quando descobriram?
Não sei precisar a idade certa, foi numa consulta de acompanhamento que a médica nos informou. Mas o Martim tinha quase 3 meses.
6. Como foi a reacção das pessoas próximas?
Nos primeiros dias as pessoas achavam que seria só uma fase relacionada com a necessidade de ter sido reanimado ao nascer e que alguns dias depois ele iria “acordar” e começar a agir como seria suposto. Mas os dias iam passando e esse “click” não chegava e foi aí que as pessoas começaram a perceber que se calhar não era algo tão simples.
Estaria a ser hipócrita se dissesse que todos reagiram bem. Claro que ninguém reage bem a uma notícia destas. Nós próprios também ficávamos de rastos e cheios de medo a cada novidade que nos davam.
Mas se falarmos em aceitação, aí sim, as pessoas aceitaram bem. Ninguém se afastou, pelo contrário, estavam todos ansiosos por poderem conhecer o Martim. Todos os dias, nós e os nossos pais, recebíamos dezenas de telefonemas e mensagens só para perguntarem como ele estava. E foi fundamental sentir essa preocupação, carinho e ânimo das pessoas.
Acredito que muitos dos nossos familiares e amigos mais próximos choraram tanto ou mais do que eu e o pai do Martim. Não por não aceitarem, mas sim pelo choque das notícias e por nos verem, a nós e ao Martim, nesta situação sem nada poderem fazer. Mas é por isto mesmo que sei que não estamos sozinhos nem nunca estivemos.
7. O que é mudou na vossa vida enquanto família desde esse dia?
Tudo. Mas isso já estávamos à espera porque um filho altera-nos as rotinas, modifica a maneira de ver e de reagir a determinadas coisas e muda as nossas prioridades. No entanto o nosso filho trouxe-nos muito mais que isso. Tivemos de nos habituar às necessidades do Martim e aprender a lidar com tudo o que isso implica. Enquanto estivemos no hospital, tiramos um “curso” rápido de enfermagem. Colocar sondas de alimentação, alimentar por seringas, aspirar com uma sonda e trabalhar com um ventilador eram coisas que não sabíamos nem imaginávamos precisar de saber.
Para sairmos com o Martim não chega levar um saco com fraldas, comida e roupa limpa. O saco com o aspirador e o saco com o ventilador fazem parte das nossas viagens, sejam num passeio a pé ou numa ida a casa dos avós, sejam apenas 10 minutos ou 10 horas.
Esta é agora a nossa realidade e apesar de cansativa é tão gratificante vê-lo crescer e evoluir.
8. Acha possível afirmar que o Martim pode vir a ter uma vida perfeitamente independente apesar de sofrer de uma miopatia?
Essa é uma questão para a qual ainda não temos resposta. A doença do Martim afeta o caminhar, o comer, o respirar e o falar. Mas isto não significa que ele nunca vá caminhar, comer pela boca, respirar sem o ventilador nos períodos de sono ou falar. Mas tudo isto depende da evolução que ele vai ter e isso só o tempo é que dirá. Claro que penso no futuro, mas neste momento vivemos um dia de cada vez.
9. Qual foi a situação mais complicada que já teve que gerir com a doença do Martim?
Ainda passou pouco tempo. O Martim tem quase 6 meses, mas só estamos em casa à 4 meses. Mas para mim o que mais me custou foram os dois meses que se seguiram ao nascimento dele. Não poder pegar nele ao colo logo a seguir a ele ter nascido porque teve que ser reanimado e depois transferido de imediato para a unidade de cuidados intensivos neonatais. Estar internada na obstetrícia sem o meu filho e ver e ouvir os outros bebés. Ter alta hospitalar e não o poder levar comigo. O tempo que esteve na neonatologia, um mês e dezoito dias, só estávamos com o Martim durante o dia porque não era permitido ficarmos à noite, ou seja, todos os dias voltávamos para casa mas parte de nós ficava naquele hospital. A transferência para outro hospital, onde tivemos mais catorze dias, e que passava os dias sozinha pois o pai do Martim já estava a trabalhar.
10. Normalmente é mais difícil gerir as situações complicadas com o próprio Martim ou com os outros?
Definitivamente com os outros. O Martim tem as suas rotinas exigentes e as limitações causadas pela doença, mas para nós tudo isso já é a nossa normalidade. Os outros é uma história diferente. Olham curiosos quando estamos num restaurante a dar o leite ao Martim. Ficam a olhar para a sonda quando passam. Às vezes até acho que se admiram com a normalidade e felicidade com que vivemos a nossa vida.
Não me incomoda que olhem e que comentem, mas se têm curiosidade, perguntem. Adoro falar do meu filho e explico sempre o problema dele mas quando me dizem “coitadinho” ou “oh meu Deus” pergunto-me se não conseguem ver o quão felizes somos.
11. Em momentos de desespero todas nós questionamos as nossas decisões. Alguma vez pensou que não deveria ter sido mãe?
Não, nunca. Foi uma gravidez planeada e muito desejada. E não é a doença do Martim que me faz questionar a decisão de querer ser mãe. No entanto houve momentos em que me questionei se conseguiria ser a mãe que o Martim iria precisar.
12. Qual é o prognóstico médico?
O que as médicas nos dizem é que sabe-se o diagnóstico mas a evolução é uma incógnita. Apesar de a patologia ser a mesma, cada criança reage aos estímulos e evolui de maneira diferente.
13. O que diria a uma mãe que acabou de descobrir que tem um filho com um miopatia nemalínica?
Diria para não se prender ao diagnóstico. Inicialmente as informações são tantas que não é fácil gerir. Eu própria não assimilei tudo num dia e chorei muito, claro que sim, mas chegou a um ponto que percebi que não valia a pena desperdiçar tempo a pensar no que de pior poderia acontecer. Sim, eu sei que pode correr muita coisa mal, mas o mais importante é saber o que podemos fazer para que eles evoluam da melhor maneira, que tenham a melhor qualidade de vida possível e fundamentalmente que sejam felizes. Porque é possível sermos felizes apesar das limitações e condicionantes que a miopatia nemalínica implica.
Mais uma mãe que enfrenta no seu dia a dia um dos maiores desafios que nos podem colocar, o desafio de ter um filho que tem um problema de saúde! Obrigada Soraia pela partilha.
5 Comments
Mãe do Sexto Esquerdo
Obrigada ❤
Cantinho da Carriça
Sei um pouco do k fala… nunca tive de andar com esses acessórios todos comigo pk infelizmente a vida assim o quis mas cheguei a prender a fazer um pouco isso. Sim é uma vida dura mas compensa qualquer evolução k notamos nos nossos filhos e somos muito mais felizes, aprendemos a dar valor às coisas mais pequenas e k fazem toda a diferença. Também sou muito feliz por ter sido mãe de uma criança k hoje não está comigo fisicamente mas k me ensinou tanto… Beijinhos grandes e continua a aproveitar todos esses momentos pk realmente são eles k nos fazem crescer
Mãe do Sexto Esquerdo
Desde já quero dizer que lamento a sua perda.
Se estiver interessada em contar um pouco mais da sua história envie mensagem para a nossa página do Facebook (facebook.com/maedosextoesquerdo)
Um beijinho
Ana Lima
Caramba… já me deixou de lágrima no olho…
E fez-me ver que a nossa situação ao pé da sua é tão mais simples…
Um beijinho grande para o Martim e continuem a ser assim felizes pq ele e vocês merecem…
Maria Tomás
Já dizia a minha avó que quando se tem um filho saudável, não se sabe o que é ter problemas.
Para esta mãe coragem e todas as mães coragem que existem envio a minha solidariedade e uma mensagem: Sempre em frente, "milagres" acontecem.
Sei do que falo, não a nível de filhos mas a nível oncológico. Deram-me seis meses de vida e já passaram 8 anos.
Beijinhos e muita, muita força.