Banalidades

Sobre filhos

Recebi este texto de uma antiga colega de trabalho, de quem gosto muito. Por coincidência, escrevi há uns meses este post com outra coisa que recebi desta mesma colega, e que gostei de receber. Por achar que vale a pena, partilho convosco! [Obrigada T.]
Sei que é inevitável e bom que os filhos deixem de ser crianças e abandonem
a protecção do ninho. Eu mesmo sempre os empurrei para fora.
Sei que é inevitável
que eles voem em todas as direcções como andorinhas adoidadas.
Sei que é inevitável que eles construam seus próprios ninhos e eu fique como o
ninho abandonado no alto da palmeira…

Mas, o que eu queria, mesmo, era poder fazê-los de novo dormir no meu colo…
Existem muitos jeitos de voar. Até mesmo o vôo dos filhos ocorre por etapas.
O desmame, os primeiros passos, o primeiro dia na escola, a primeira dormida
fora de casa, a primeira viagem…
Desde o nascimento de nossos filhos temos a oportunidade de aprender sobre
esse estranho movimento de ir e vir, segurar e soltar, acolher e libertar. Nem
sempre percebemos que esses momentos tão singelos são pequenos ensinamentos
sobre o exercício da liberdade.
Mas chega um momento em que a realidade bate à porta e escancara novas
verdades difíceis de encarar. É o grito da independência, a força da vida em
movimento, o poder do tempo que tudo transforma.
É quando nos damos conta de que nossos filhos cresceram e apesar de
insistirmos em ocupar o lugar de destaque, eles sentem urgência de conquistar o
mundo longe de nós.
É chegado então o tempo de recolher nossas asas. Aprender a abraçar à
distância, comemorar vitórias das quais não participamos directamente, apoiar
decisões que caminham para longe. Isso é amor.
Muitas vezes, confundimos amor com dependência. Sentimos erroneamente que se
nossos filhos voarem livres não nos amarão mais. Criamos situações
desnecessárias para mostrar o quanto somos imprescindíveis. Fazemos questão de
apontar alguma situação que demande um conselho ou uma orientação nossa, porque
no fundo o que precisamos é sentir que ainda somos amados.
Muitas vezes confundimos amor com segurança. Por excesso de zelo ou protecção
cortamos as asas de nossos filhos. Impedimos que eles busquem respostas
próprias e vivam seus sonhos em vez dos nossos. Temos tanta certeza de que
sabemos mais do que eles, que o porto seguro vira uma âncora que impede-os de
navegar nas ondas de seu próprio destino.
Muitas vezes confundimos amor com apego. Ansiamos por congelar o tempo que
tudo transforma. Ficamos grudados no medo de perder, evitando assim o fluxo
natural da vida. Respiramos menos, pois não cabem em nosso corpo os ventos da
mudança.
Aprendo que o amor nada tem a ver com apego, segurança ou dependência,
embora tantas vezes eu me confunda. Não adianta querer que seja diferente: o
amor é alado.
Aprendo que a vida é feita de constantes mortes quotidianas, lambuzadas de
sabor doce e amargo. Cada fim venta um começo. Cada ponto final abre espaço
para uma nova frase.

Aprendo que tudo passa menos o movimento. É nele que podemos pousar nosso
descanso e nossa fé, porque ele é eterno.
Aprendo que existe uma criança em mim que ao ver meus filhos crescidos, se
assustam por não saber o que fazer. Mas é muito melhor ser livre do que
imprescindível.

Aprendo que é preciso ter coragem para voar e deixar voar. E não há estrada
mais bela do que essa.

Rubem Alves (1933 a 2014) foi um psicanalista, educador,
teólogo e escritor brasileiro, é autor de livros religiosos, educacionais ,
existenciais e infantis. É considerado um dos maiores pedagogos brasileiros de
todos os tempos, um dos fundadores da Teologia da Libertação e intelectual
polivalente nos debates sociais no Brasil.

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